quinta-feira, 26 de junho de 2008

Cores que não pintei

É tão tarde, está frio, meus dedos parecem azulejos no inverno.
Sinto-me triste e não sei chorar. Porque não tem por quê.
E então fico com esse nó, e brinco de ser nó com ele.
Queria que cortar cebolas fosse mais doloroso. Cortaria muitas! Até esvaziar tudo, e não ter mais sofrimento...
Não sei da onde vêm. Só sei que ficam aqui, debaixo do meu cobertor, me empurrando para fora, gelando meus dedos, minha ponta do nariz.
Chorar me bastaria! Não peço colo, nem vela.
Só lágrimas e brisa mansa para descançar meu corpo.
Dêem-me aquarela...

terça-feira, 24 de junho de 2008

Folha

Que ódio da folha maldita.
Escrita esquálida,
morte na certa!
Fui cerrar a caneta e pimba!
Borrou-se toda,
de nada que preste.
Pura velha e conhecida pinga!
folha vadia!

segunda-feira, 23 de junho de 2008

O Grande Salto

O coração pulou da estante,
vivia ali, quieto e seguro
mas pulou,

foi uma euforia,
dos olhos, da mente
das mãos a correr para salvá-lo!

pulou o danado,
sem saber do chão,
jogou-se na incerteza,

pensou que podia voar
e pulou por querer,
e sem tempo

de milagre acontecer
espatifou-se ali
três segundos depois

quando do pulo deixou
a estante para trás,
caiu,

quebrou,
chorou cada e toda dor...
mas pulou!

sábado, 21 de junho de 2008

dois minutos pra dormir

O cansaço me inspira. Não sei por quê. Talvez seja em seu leito, encostando minha cabeça em seu ombro é que sinto quanto vazio há em volta. Quanta árvore oca, quantos pássaros covers, quanto vento de ventilador.

Quando a gente cansa é preciso parar pra ver.

Queria parar, tecer meu stress, fazer dele uma longa manta pro inverno. Pegar minhas indignações e pendurá-las no varal, deixá-las secar no sol, tirar o pó que as camufla. Abriria a gaiola dos meus gritos mudos, e faria alongamento pra respeitar meu corpo. Respiraria só o que eu não pudesse ver. Iria nadar, boiar.

Mas estou tão cansada. Parar exige um movimento bruto demais, desprendido demais, impactante demais...prefiro a inércia estúpida disso tudo que me cansa, e me faz parar pra ver quanto vazio há em volta, e em mim.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Ganesha

Ela levantou meio dia, colocou seus chinelos do tipo sem dedo marrom, deixando a vista sua meia azul calcinha, e foi tomar café. Não havia fio de cabelo que estivesse em sua determinada, apresentável, posição. Parou rente a pia, por dois minutos pensou ser uma boa idéia lavar aqueles pratos de sopa de mandioca de cinco dias atrás, mas sentiu pena de afogar as formigas e se convenceu que esperaria mais um dia.
Com o canto do olho semi aberto, ainda de sono e medroso de luz, olhou pela janela da cozinha e viu no quintal algo reluzente. Uma cor laranja avermelhada, de forma arredondada e de difícil denominação à primeira vista. Hesitou, não ia para fora verificar um objeto brilhante, que nem sequer ruído fazia, e não seria algo valioso porque ouro não cai do céu.
virou-se para a geladeira, encarou-a, pensou que ela já estava velha demais. Sem três dos pés, com o frizer quebrado há 8 meses, a borracha solta, o que a deixava vazando e alagando toda a cozinha. Talvez fosse bom pensar em comprar uma nova, pensou ela consigo.
Umas mordidas no pão de forma com maionese, uns goles de água de torneira e ela se lembrou do quintal. O que será aquilo? refletiu.
Levantou-se do banquinho de madeira de uma vez só, enfiando o pão inteiro na boca e caminhou até a porta que dava para a parte dos fundos da casa. Saiu e avistou o objeto desconhecido. Por uns raros segundos teve medo, podia certamente ser um etê disfarçado de bibelô brilhante! Ou uma bomba do Al-Qaeda em fase de teste. A casa dela certamente era um alvo interessante, porque nada ali interessava. Sentiu-se tola, esfregou o nariz, fez com a mão um cap, encobrindo seu rosto do sol que cegava jorrando luz.
Chegou ao objeto imóvel, e observando de cima não acretidou no que era. Abaixou-se e riu. Uma cabeça de elefante! De elefante! Esculpida em pedra, em vidro, não sabia. Mas como teria aquilo ido parar ali?
O dia da sopa, com certeza! pensou ela, algum de seus únicos três amigos devia ter esquecido. Era estranho pensar que eles teriam uma cabeça de elefante avermelhada. Não era útil, e muito menos bonita! Aquele dia tinham colocado um tapete verde musgo estendido no chão do quintal, jogaram umas almofadas sem capa e passaram a noite toda bebendo cognac e bloodmary ao som do pior reggae estrangeiro que podia existir. Mas em nenhum momento havia elefante, cabeças sim, jogadas nas almofadas, rodando e rodando feito gira-gira. Mas nada de elefantes vermelhos!
Ela pegou aquela coisinha na mão, estava gelada, e pesava mais do que havia imaginado. Deve ser vidro...trouxe mais próximo dos olhos e viu que a trompa não era circular e sim pontiaguda. Achou melhor ter mais cuidado. Entrou novamente em casa a apoiou a cabeça de elefante na estante do quarto, perto de dois livros empoeriados.
Quando bateu sete horas da noite no relógio de cucu da cozinha ela se lembrou da louça, imaginou que já era hora de formiga estar na cama e que aquele cheiro de mandioca podre já tinha enjooado até mesmo os lixeiros da rua, então respirou fundo, estralou os dedos das mãos, fez uma careta sem platéia e levantou com muito esforço do sofá bege de dois lugares que ocupava a sala inteira e metade do hall, quando chegou até a cozinha viu a poça de água que havia se juntado com a poça do dia anterior e formado um pequeno lago em frente a geladeira, e sentiu um pouco de pena de si mesmo. Aquela vida toda era um monte de porcaria. Desistiu da louça, visto que teria que construir um navio para atravessar até o outro lado da cozinha e foi para o quarto.
Deitada na cama de olhos abertos avistou o elefantinho. Pelo menos algo diferente numa quarta-feira vazia. Diferente, mas tão vazia. Vazia, sem sentido, como aquela cabeça. Podia ser a sua cabeça. Seus três amigos não estavam ali, não podiam beber com ela. Não havia mais nada para beber também. As garrafas estavam vazias, assim como os programas de televisão. E a geladeira certamente estava vazia. Só a pia estava cheia, cheia do vazio que tinham deixado os amigos que partiram bêbados. Olhou seus pés, aquelas meias vazias. O vazio em seus pensamentos foram agonizando-a.
E estava tudo tão vazio que ela quis preencher-se. Foi até a caixa de remédios pegou todos, engoliu muitos, e depois outros a seco. Engoliu mais uns cinco, caminhou até a estante pegou o elefante e deitou-se na cama com seu vazio.
Com a trompa e sua ponta fina marcou em seu punho as linhas que seguiram a vermelhidão daquela cabeça perdida. Cantou para a pequena estatueta suas músicas solitárias. Era a sua companhia, tinha sido um presente de Deus. Desafortunada ela e sua cabeça, desafortunado elefante de Ganesha.

domingo, 15 de junho de 2008

vinha, só minha

A madrugada batia à minha porta, eu renegava sua presença fria, mas invadia-me mesmo assim. tomava-me em seus braços, acariciáva-me congelando meus dedos brancos. soprava aos meus ouvidos promessas de que estava de passagem, mas demorava-se ali. Preenchia meu quarto, bagunçava meus papéis, abria a janela e a lua me via nua, a tremer.
Eu cansava quase sempre da visita. Mais quando com ela vinha a solidão. Esta era quieta, não fazia ruído, não chutava minhas roupas amarrotas, não desmarcava meus livros. Apenas sentava-se na minha cama de pernas cruzadas e lá ficava de cabeça baixa, quase como um fantasma. E o seu silêncio dóia. Era tão forte que alguns dias vi a madrugada ir-se embora de fininho, envergonhando-se de seus grilos e corujas.
Eu não me atrevia a falar, menos ainda a expulsá-la, acostumei-me a sua companhia, escutava comigo Bach e não desgostava. Não podia dormir na sua presença, porque ocupava a cama, então apoiava meus cotovelos na escrivaninha de madeira escura e com os olhos cerrados sentia o vazio dos meus pensamentos.
Um dia tomei uma taça de vinho branco. outra em seguida, e então mais duas. Nesse dia dancei junto com a madrugada, e ela nunca tinha sido tão quente, me pus descalça a pular com as almofadas e a tocar as harpias dos anjos. mais uma taça. eu já não via minhas mãos, porque dançavam depressa, corriam pelo quarto com lenços coloridos. uma taça de vinho branco. pulei na cama, voei com as corujas surdas para todos os cantos. uma taça. Ri tão alto, tão longo, ri das estrelas, dos amores, das calçadas...e então virei madrugada, e ao ver que se aproximava a solidão, sai de fininho, cri cri.