terça-feira, 29 de julho de 2008

Vontade de cartas!

Saiu de casa com os cabelos ainda molhados, vestida com sua roupa de ginástica. Andou por sete ruas deixando que o sol da manhã a banhasse com seu calor natural, batizando sua pele fria da noite que havia passado.
Ouvia uma rádio nacional, e ora olhava para o chão ora para o céu. E quando era para cima que olhava apertava seus olhos e sorria, um sorriso sem dente.
Estava indo comprar envelopes. Chegou na banca, como todas as bancas, que hoje são só, e apenas bancas, iguais em quase tudo, e pediu por aquilo que desejava.
- Não vendemos mais isso.
- Mas por quê?
E ela nem precisaria ter perguntado, mesmo sua fluidez tendo sido quebrada pela ausência do que procurava, e isso tê-la deixado desorientada, sabia que a resposta era simples e clara.
-Ninguém mais compra!
Por uns cinco segundos ficou ali olhando as fotos gritantes das capas dos jornais, e a perfeição dos rostos e corpos das revistas, mas estava decidida que compraria envelopes, então não quis perder muito tempo. Agradeceu educadamente, e acenou um bocadinho triste. Partiu dali pensando qual seria a papelaria mais próxima.
Seus cabelos estavam já meio secos, e a brisa leve levantava alguns poucos fios que brilhavam quando os raios de luz os encontravam. Era uma menina ainda, mas havia nela algo muito precioso. Quando conhecia alguém, olhava nos olhos dessa pessoa de verdade, as vezes podia adivinhar pelo que ela estava passando, entendia suas dores e queria curá-las. Mas queria isso com um carinho puro, porque realmente se importava com elas.
E cada dia que passa vemos menos pessoas se importando umas com as outras. Todos tem tanto medo, e tem tanta vontade de ter sucesso que acabam ficando como as bancas. Iguais e sem o que realmente se deseja.
Enfim, ela era assim, atenciosa, era precioso, e por esse motivo também, sempre quando passava alguém ao seu lado em sua caminhada à procura da papelaria, ela cumprimentava.
- Bom dia!
E certamente para ela o dia estava bom, principalmente porque estava com tempo para procurar o que queria.
(Isso é outro problema de todos, ninguém tem tempo! E é bem racional essa frase, não se pode ter tempo, mas se você está com ele ao seu lado, aí sim, tudo simplifica! Entretanto não há novidade no que foi dito, a relatividade sempre existiu).
O dia estava bom e ponto. O céu estava azul, o sol estava ali, potente, triunfante, e ela ia com calma.
Talvez tenha escolhido a roupa de ginástica para se sentir mais a vontade. Andou por algumas ruelas, atravessou uma avenida, e finalmente encontrou uma papelaria! Não era das maiores, nem das mais bonitas, e isso a animou.
- Talvez seja ali mesmo que eu vá encontrar!
Entrou devagar, como se aproveitasse o momento em que compraria seus envelopes, passou a mão pelos cabelos para verificar se ainda estavam molhados, deu um meio sorriso e abriu bem os olhos, procurando por alguma novidade.
- Olá, bom dia! O senhor tem envelopes?
- Bom dia menina, tenho sim, quantos quer?
- Posso vê-los?
- Claro, estão ali, na prateleira atrás de você.
A menina virou-se rapidamente e se deparou com muitos envelopes, de todos os tamanhos, cores, formas! Nossa! Nunca imaginaria que encontraria tantos! Já não compram mais envelopes, emails são muitíssimo mais práticos!
Ficou encantada! Dava para ver de longe o brilho em seus olhos, suas mão não conseguiam ficar paradas, a todo momento buscavam um e recuavam indo em direção à outro e depois à outro. Uma euforia, uma alegria sincera e surpreendentemente simples, envelopes!
Para ela, um mar de envelopes, ventos de envelopes, envelopes dançantes, saltitantes, envelopes que cintilavam!
Comprou muitos, tantos quanto seu dinheiro podia comprar.
E você pode questionar a sanidade dessa menina, pode achar estúpido adorar tanto pedaços de papel que nem usamos mais, a não ser claro para receber os boletos, as contas, as propagandas. Mas ela pegou aqueles envelopes colocou-os na sacolinha de plástico e voltou pelo mesmo caminho para sua casa e escreveu muitas cartas. Para seus pais, seus amigos, seus amores e para alguns desconhecidos.
Ela, pequena menina, tão sensível, sabia, que cada um que sua carta recebesse, não só por ser sua, mas alegrar-se-ia, pois saberia que mesmo nesse mundo de acelerados e descontraídos, ainda há esperança para uma pausa, um momento que só trazem as cartas, com seus cheiros e letras, que reestabelecem o elo natural que os seres humanos são capazes de formar. Um elo que quando mergulhamos nas lembranças buscamos as melhores memórias, e isso tudo é conduzido pelas linhas feitas de caneta.
Um elo que pode permanecer eterno. Pelo menos no coração de uma menina, de cabelos já secos a fechar seus envelopes com a língua.
Quem não gostaria de receber uma carta, que pudesse depois de lê-la agarrá-la junto ao peito?

5 comentários:

Anônimo disse...

Eu achei sua mensagem boa, Lau, mas você me conhece... rs

Wagner Miranda disse...

me fez pensar no quanto nossos valores e atitudes mudam de tempos em tempos.
o importar-se com os outros, o dom de falar olhando nos olhos, a disposição para compartilhar algo em um pedaço de papel. nossas letras dizem tanto sobre nossa fragmentada identidade, né?
e estamos aqui, compartilhando esse sentimento em meio digital. isso não é uma completa involução, considero um sinal de que ainda podemos ser humanos, apesar de tudo.
mas nada disso é novidade. acho que o fato é que com o tempo começamos a aprender o que é saudade.
e ainda sonhamos, mesmo que de olhos bem abertos.

por falar em saudade...

S. B. disse...

não quero ser uma pessoa banca!... haha... Lau, gostei muito, e de verdade... raramente leio uma crônica com tanto gosto!... Beijos

Anônimo disse...

Cansei de ser virtual...
Um dia me orgulhei de ser um excelente datilógrafo, habilidade que há muito não vale nada.
Hoje sou um medíocre (no sentido literal da palavra), usuário de computador, diante do qual escrevo freneticamente um monte do que sobra pouco, faço algumas contas, alguns contos, às vezes rende um troco, talvez uns pontos, rio, choro... Enfim, hoje vivo, mediocremente, diante desse quase ser... esperando pela chegada de uma carta de verdade (não apenas um post - arremedo de comunicação), daquelas escritas a mão, com esmero, com tempo e atenção, com emoção de verdade, pensada, bem pensada, que exprima a verdade de um momento sublime, a sinceridade, ou a pura maldade, mas a emoção integral, enviada por alguém não virtual - e que essa carta venha protegida por seu fiel escudeiro, combalido, sujo, carimbado, selado, amarelo ou amarelado, o tal envelope, que diante de um certeiro golpe, sucumbe à curiosidade ingênua da ânsia pela emoção verdadeira.
- escrito eletronicamente -

Anônimo disse...

eu não queria ver seu rosto, assim tão lindo, assim tão alvo, assim tão novo. preferia a liberdade de te imaginar... acabou, não volto mais. tchau.